quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Realidade que deu certo

Quarta-feira (08/09/2010) de manhã, esperando o ônibus observo a plataforma da frente, nada de mais. Algumas pessoas estão sentadas, são poucas, umas 5 estão em pé. De repente, um cara se levanta, ele corre, se contorce, baba, se transforma. Não é ameaçador, se percebe que não há risco de ameaça. Imediatamente uma mulher levanta, retira da bolsa uma coleira, consegue passar ela pelo pescoço do rapaz. Esse  tenta resistir por alguns segundos, mas desiste, ele foi domesticado. A moça puxa ele pela coleira e o faz sentar de novo, fala algo em seu ouvido. O rapaz, mais calmo, se vê liberto de novo. Ninguém nota, só eu. Só eu? Meu ônibus chega. Essa cena verídica me lembrou um texto que fiz há alguns anos, pra uma amiga, atriz, apresentar no teatro. É um monólogo, o coloco aqui em homenagem aquele cara domesticado, esperando o ônibus, que pra ele talvez nunca chegue, e para todos os psicológos que me cercam.
Segue o texto:

REFLEXOS

Loucura. A muito tempo ando com essa palavra na minha cabeça. Na verdade, tudo o que ela implica. Fico imaginando dentro de mim, tomando conta de cada pedaço meu, comandando minhas palavras e meus atos. E estou cada vez mais à vontade com esse pensamento.

Talvez por isso eu tenha tomado essa decisão, e por outros motivos os quais eu nem quero saber.

Mas enfim... decidi ser louca. Vou ser louca, e estou ansiosa por isso.Há na palavra “loucura” algo de sedutor, de mágico, algo que me atraí, me puxa e morde sem se preocupar com a dor.

Tantos privilégios... não teria de me preocupar com responsabilidades. Sou louca!, gritaria para o mundo, em uma explosão de êxtase, e quando minhas palavras alcançassem ouvidos atentos, minhas lágrimas escorreriam, e meu coração perderia seu peso, meu corpo seria uma pluma e todos meus movimentos seriam de um ballet clássico, que há muito fora esquecido. Algo simples por si só, que faria todos os amantes apaixonados ficarem estáticos, e com frio na espinha de tamanha beleza. Sem maiores explicações.

Os olhares alheios se direcionariam a mim com piedade e talvez com medo, mas no fundo de cada um, de cada chama que se desce a cortesia de me procurar, sentiria, no mínimo, certa reciprocidade. Um carinho escondido. Um frio na barriga gelado e ao mesmo tempo familiar, um doce prazer sútil emaranhado na própria vergonha de algo que nunca foi alcançado. Pessoas normais se escondem e escondem coisas as quais, talvez, nunca mais irão achar.

Eu não. Eu me libertaria de todos os meus esconderijos, e meu peito seria aberto como o botão de uma rosa que acabou de desabrochar. Ele morreria aberto, mas nunca voltaria a se fechar.

Falaria e agiria como eu achasse que fosse certo, me despiria e me arebateria em romances puramente monossíbálicos. Consumiria pessoas e paixões na mesma proporção que me deixaria ser consumida, minha carne sentiria o que minha alma nunca alcançou. Me vestiria como quisesse, pelo simples prazer de ser louca. Usaria calças de palhaço, pés-de-pato, colocaria um chapéu de bombeiro e correria para a vida. E estaria sempre linda, maravilhosa e perfeita! Chegaria no trabalho e pediria demissão, e em resposta ao porquê de tal ato, diria com um sorriso: sou louca!

Falaria alto e gritaria palavrões, na hora e lugar que surgissem em minha cabeça. E minhas palavras soariam como sinos em um domingo de manhã. Haveria apenas um problema: manicômio. Palavra forte, no entanto eu continuaria a ser uma pessoa íntegra. Louca sim, por opção!

Talvez até encontrasse alguns amigos, amigos...eu tive um amigo, mas ele se foi, assim, sem pausa pra um café...um amigo, eu tive um, mas ele foi embora, ou eu que deixei ele no bolso de alguma calça velha, enfim...Ele me fazia rir.

“Louca”, qualidade libertária, algo como um perdão intrínseco, que te deixa livre de todas as coisas. Um carta de alforria da vida. Qualidade que talvez só se assemelhe a de “poeta”. Loucura: a vida da forma pura, sem razão, sem reticências e pontos finais, meros pontos de exclamação, assim como meus beijos e abraços serão. Aprenderia a viver sem espelhos, afinal nunca gostei deles, espelhos. Não gosto deles e pronto!

Agora eu já estou louca, ela já se encontra em mim, toma meu cérebro. Desce por minhas veias até encontrar meus dedos. Uma sensação suave e prazerosa, vitalizante, uma libertação de mim mesma. um gozo sublime, pleno, quase religioso. Me arrepia e deixa meu coração limpo.

Coração... agora ele já é sem dor, sem aperto, sem marcas e sem contusões.

Sinto vontade de correr, me jogar no asfalto, gritar, me levantar, pedir um café e acender um cigarro. Algumas pessoas me procurariam, e eu, olhando para o chão, com o cigarro entre os dedos, diria (com minha voz suave e calma): não gostamos de conversar, não converse comigo... por uma semana.

Não me relacionaria mais, e mesmo se acontecesse, não faria diferença. Sou louca!

Eu seria uma dessas “pessoas platônicas”. Essas que entram na sua vida, e que, no entanto, você não sabe se entrou na delas. Como meu amigo, qual era o nome?...Apenas pode amá-las, sem esperar, ou ter algo em troca. Eu teria, tenho uma vantagem: minha sanidade! Ela ainda está dentro de mim e quando for preciso é só traze-la de volta.

Minha loucura é fingida, contudo perderia amores, pessoas. Qual o nome?.. Meu vazio só seria preenchido pela doce loucura solitária. Perderia em cada passo, em cada respiração, eu mesma. Minha realidade seria de devaneios guardados. A cada passo dado na direção errada eu deixaria de escutá-la. Pois a teria deixado em algum lugar. Meus sonhos e desejos se evaporariam de mim e ao mesmo tempo faria forças sobre humanas para lembrar o doce sabor de um chocolate em uma manhã fria de inverno, de um carinho despretensioso que aos pouco ganha seu lugar.

Haverá um tempo onde eu já não lembrarei, porque não escutava, não tocava mais. E meu coração antes cadenciado, não passará de um ruído desafinado e rouco. Não seria o que foi. Os lugares me moldariam, eu seria um mármore virgem sendo esculpido, e as lascas que de mim saiam seriam as mais valiosas...

Outras tentariam, mas nunca conseguiriam seu lugar. Não essa sintonia, esse tom. E quando percebesse, seria apenas uma lembrança, provavelmente a próxima a ser esquecida, uma fotografia fora de foco, algo belo, porém sem definição. E num momento alguém gritaria: fingida! Meu coração voltaria a ficar pesado, e com os olhos cheios de lágrimas, semiabertos, desejaria escuta-la novamente. E em então num sopro de razão descobriria que o problema das coisas que se acha, é que, o que se acha, não é o que realmente se é.

E só então perceberia que nunca havia parado de tocar, apenas não encontrava quem a escutasse. Suas notas precisas e seu refrão abafado. Lembraria de desejos esquecidos e do doce sabor de algo ainda desconhecido. Do meu amigo...

Acabaria entendendo de que nada me adianta a loucura insaciável de um amor improvável.

Pois bem, as peças estão nos seus lugares, a vida será o rei branco, eu a rainha preta...e meu amigo, bom como eu disse:

EU ODEIO ESPELHOS!

Autor : Camilo Alves do Nascimento
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Um comentário:

  1. parabéns... antes de postar o próximo.. procure o REVISARTE...
    Brincadeira...
    é até sacanagem te pedir pra escrever "outro tipo de livro".

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